Uma quebra de energia enorme atingiu partes significativas de Portugal e Espanha às 10:34h UTC do dia 28 de abril, o que paralisou os transportes, encerrou lojas e interrompeu as atividades e serviços quotidianos de outras formas. Partes da França também foram, alegadamente, afetadas pela quebra de energia. A operadora da rede elétrica portuguesa atribuiu a quebra a uma "falha na rede elétrica espanhola" e, posteriormente, afirmou que "devido a variações extremas de temperatura no interior da Espanha, houve oscilações anómalas nas linhas de muito alta tensão (400 Kilovolts), uma fenómeno conhecido como "vibração atmosférica induzida"" e que "estas oscilações causaram falhas de sincronização entre os sistemas elétricos, levando a sucessivas perturbações em toda a rede europeia interligada." No entanto, a operadora negou estas alegações posteriormente.
A amplitude da rede da Cloudflare e a nossa base de clientes fornece-nos uma perspetiva única sobre a resiliência da internet, o que nos permite observar o impacto desta quebra de energia na internet, tanto a nível local e nacional quanto ao nível da rede de forma transversal, por métricas de tráfego, qualidade da rede e de roteamento.
Impactos em Portugal
Ao nível do país
Em Portugal, o tráfego da internet caiu a pique quando a rede elétrica falhou, com o tráfego a cair imediatamente para metade em comparação com a semana anterior, diminuindo para cerca de 90% abaixo da semana anterior nas cinco horas seguintes.
O tráfego de solicitações de utilizadores em Portugal ao resolvedor de DNS 1.1.1.1 da Cloudflare também diminuiu quando a energia falhou, caindo inicialmente 40% em comparação com a semana anterior e ainda mais nas horas seguintes.
Ao nível da rede
Ao nível de rede, a perda de tráfego de internet dos fornecedores locais, incluindo a NOS, Vodafone, MEO e a NOWO, foi rápida e significativa. Os gráficos do Cloudflare Radar abaixo mostram que o tráfego dessas redes efetivamente evaporou-se ao longo das horas após o início da quebra de energia. Os sistemas autónomos (ASN) apresentados abaixo para estes fornecedores podem conter uma mistura de tráfego fixo e móvel de banda larga. No entanto, a MEO divide pelo menos parte do seu tráfego móvel para um ASN separado, e o gráfico abaixo para a MEO-MÓVEL (AS42863) mostra que o tráfego de solicitações dessa rede mais do que duplicou após o corte de energia, à medida que os assinantes se voltavam para os seus dispositivos móveis para obter informações sobre o que estava a acontecer. Apesar disso e do pico inicial, esse tráfego móvel também acabou por caiu nas horas seguintes, descendo para cerca de metade do volume observado na semana anterior.
A nível regional
Além de observar o tráfego a nível nacional e da rede, também podemos analisar o tráfego ao nível regional. Conforme indicado acima, a quebra de energia não afetou todas as regiões do país. Os gráficos de tráfego abaixo mostram as alterações no tráfego da internet das partes de Portugal se observou um impacto.
Em Lisboa e no Porto, foi presenciada uma queda acentuada, mas limitada, no tráfego quando a quebra de energia começou, com o tráfego a recuperar ligeiramente quase com a mesma rapidez. No entanto, o tráfego diminuiu gradualmente nas horas subsequentes, em contraste com as outras regiões analisadas abaixo.
As quedas imediatas de tráfego mais significativas foram observadas em Aveiro, Beja, Brandão, Castelo Branco, Évora, Faro, Guarda, Portalegre, Santarém, Viana do Castelo, Vila Real e Viseu. Nestas áreas, o tráfego caiu e, depois, estabilizou rapidamente em volumes muito baixos. Em Braga e Setúbal, o tráfego diminuiu mais gradualmente após a queda inicial.
Qualidade da rede
A quebra de energia também afetou a qualidade da conectividade a nível nacional em Portugal. Antes da perda de energia, as velocidades médias de download em todo o país rondavam os 40 Mbps, mas várias horas após o estado de interrupção, caíram até aos 15 Mbps. Como seria de esperar, a latência a nível nacional observou um impacto oposto. Antes da perda de energia, a latência média era de cerca de 20 ms. No entanto, cresceu gradualmente até aos 50 ms. As velocidades de download mais baixas e a maior latência devem-se, provavelmente, ao congestionamento das ligações de rede que continuaram disponíveis.
Roteamento
A infraestrutura de rede em Portugal também foi afetada pela quebra de energia, com o impacto a ser observado como uma queda no espaço de endereços de IP anunciados. Isto significa que partes das redes dos aperadores portugueses já não são visíveis para o resto da internet. O número de IPv4/24s anunciados (blocos de 256 endereços IPv4) caiu em cerca de 300 (à volta de 1,2%) e o número de IPv6/48s anunciados (blocos de mais de 1,2 mil biliões de endereços IPv6) caiu de 17 928 551 para 16 355 607 (cerca de 9% ). O espaço dos endereços começou a cair ainda mais após as 16:00h UTC, possivelmente, como resultado do esgotamento da energia de reserva e da resultante desconexão da infraestrutura de rede associada.
Impactos na Espanha
Ao nível do país
Na Espanha, o tráfego da internet caiu quando a rede elétrica falhou, com o tráfego a cair imediatamente cerca de 60% em comparação com a semana anterior, descendo para cerca de 80% abaixo da semana anterior nas cinco horas seguintes.
O tráfego de solicitações de utilizadores na Espanha para o resolvedor de DNS 1.1.1.1 da Cloudflare também diminuiu quando a energia acabou, caindo inicialmente 54% em comparação com a semana anterior, mas a estabilizar rapidamente.
Ao nível da rede
Ao nível da rede, os volumes de tráfego dos cinco principais ASN na Espanha caíram rapidamente quando a energia foi cortada, com a maioria a deteriorar-se gradualmente ao longo das horas seguintes. Em contraste, o tráfego da Digi Spain Telecom (AS57269) caiu rapidamente, mas depois estabilizou-se no nível mais baixo. Em comparação com a semana anterior, o tráfego destes fornecedores caiu entre 75% e 93% nas horas após o início da quebra de energia.
A nível regional
Na maioria das regiões afetadas na Espanha, o tráfego caiu rapidamente e estabilizou-se ou continuou a cair ainda mais. No entanto, também foi evidente alguma recuperação no tráfego e pode ser observada em Navarra, La Rioja, Cantábria e no País Basco. Esta recuperação de tráfego está, provavelmente, associada a uma restauração inicial de energia nessas regiões, já que uma notícia da Red Eléctrica (operadora da rede elétrica nacional da Espanha) observou que “Já está disponível eletricidade em partes da Catalunha, Aragão, País Basco, Galiza, Astúrias, Navarra, Castelo e Java, Extremadura, Andaluzia e La Rioja."
Qualidade da rede
A quebra de energia também afetou a qualidade da conectividade a nível nacional na Espanha. Antes da perda de energia, as velocidades médias de download em todo o país rondavam os 35 Mbps mas, várias horas após o estado da interrupção, caíram até aos 19 Mbps. Curiosamente, a largura de banda média não apresentou um declínio gradual claro como ocorreu em Portugal, em vez disso, caiu e recuperou duas vezes antes de se degradar gradualmente.
Como era de esperar, a latência ao nível do país contemplou um aumento significativo. Antes da perda de energia, a latência média era de cerca de 22 ms, mas chegou a crescer até aos 40 ms. Tal como em Portugal, as velocidades de download mais baixas e a latência mais alta deveram-se, provavelmente, ao congestionamento das ligações de rede que continuaram disponíveis.
Roteamento
Semelhante ao caso português, a infraestrutura de rede na Espanha também foi afetada pela quebra de energia, com o impacto a ser observado como uma queda no espaço de endereços de IP anunciados. Às 14:30h UTC, o número de blocos de endereços IPv4/24 anunciados havia caindo cerca de 2,4% e continuou a descer ainda mais nas horas subsequentes. O número de bloqueios de endereços IPv6/48 anunciados caiu mais de 8% durante o mesmo período e também continuou a baixar nas horas seguintes.
Impactos em outros países europeus
Partes de Andorra e da França também foram, alegadamente, afetadas pela quebra de energia, com cortes adicionais relatados até na Bélgica. A nível nacional, não se evidenciaram interrupções de tráfego em qualquer dos países.
A análise do tráfego a nível regional na França mostra um leve declínio simultâneo com a quebra de energia em várias regiões, mas as quedas foram nominais em comparação com a Espanha e Portugal, sendo que os volumes de tráfego recuperaram para os níveis esperados em 90 minutos. A nível regional, não foi evidente qualquer impacto em Andorra.
Parece que o Marrocos poderá ter sido afetado de alguma forma pela quebra de energia ou, pelo menos, a Orange Maroc foi. Numa publicação no X, o fornecedor declarou (traduzido) "O tráfego da internet foi interrompido na sequência de uma grande quebra de energia na Espanha e em Portugal, que está a afetar as ligações internacionais." O Cloudflare Radar mostra que o tráfego da rede caiu drasticamente por volta das 12:00h UTC, 90 minutos após o início da quebra de energia, com uma interrupção total que começou cerca das 15:00h UTC.
Conclusão
A restauração de energia na Espanha já havia começado quando esta publicação estava a ser escrita e a recuperação total provavelmente levará de horas a dias. À medida que a energia vai sendo restaurada, o tráfego de internet e outras métricas também recuperarão. O estado atual da conectividade à internet na Espanha e em Portugal pode ser rastreado no Cloudflare Radar.
A equipe do Cloudflare Radar está constantemente monitorando as interrupções na internet, compartilhando nossas observações no Cloudflare Radar Outage Center, por meio das mídias sociais e em posts no blog.cloudflare.com. Siga-nos nas redes sociais em @CloudflareRadar (X), noc.social/@cloudflareradar (Mastodon) e radar.cloudflare.com (Bluesky) ou entre em contato conosco por e-mail.